sexta-feira, 11 de julho de 2014

Na contramão da dor




É, já faz quase três anos que eu decidi colocar minhas dores no bolso, pelo menos todas as quintas, e cuidar da dor dos outros. "Ah, mais você não vai aguentar. Hospitais e albergues são lugares muito tristes", "Ah mais você é muito tímida pra isso". Ouvi de tudo um pouco, mas ainda sim deixei dizerem tudo que achavam de mim e tentei me mostrar do que eu era capaz. E eu posso dizer que não me reconheço quando lembro daquela menina de três anos atrás. 
Eu vi e vivi nesses lugares, aparentemente sem perspectiva e contraditoriamente que a vida existe, que as pessoas são felizes, que o amor cura e que o pra sempre existe. Muitas foram as histórias que me marcaram, poderia me lembrar de cada uma delas, mas algumas se sobressaem. Lembro do dia que fizemos um casamento e fomos padrinhos de um casal de velhinhos no albergue. Teve outro, que presenciei os últimos suspiros de alguém que eu não conhecia, mas que doeu como se fosse alguém da minha família.
Ainda teve uma declaração de uma velhinha dizendo eu era a melhor amiga dela, sendo a primeira vez que eu a via. E ainda lembro como se fosse ontem de uma outra, com cabelinhos brancos, ela tinha Mal de Alzheimer. Não sabia o nome dos filhos, nem onde estava, ás vezes nem quem ela era, mas mesmo nos vendo uma vez por semana  ela se lembrava de quem nós éramos. E sempre quando perguntávamos qual música ela queria, não existia esquecimento algum que pudesse lhe roubar a música do "Menino" da porteira.
É uma pena que a gente esquece que essas pessoas um dia também se vão. E ontem eu descobri que essa última senhorinha, a do Menino, partiu. E eu percebi que o medo que eu tanto sentia de perdê-los se materializou. Não posso fazer nada quanto a isso a não ser sentir a dor e pedir que aquele anjinho que já era em terra, olhe por nós. Vou me lembrar sempre daquele sorriso banguelinho, olhinhos brilhantes, voz suave, com uma xícara de café com leite na mão. Talvez ela já tenha encontrado com o seu menino lá no céu, mas agora de olhos fechados eu peço baixinho que ela cuide de seus meninos que ficaram por aqui e que terão dificuldade de prosseguir sem ela. Quem tanto sorriu hoje chora. Mas afinal se existe uma coisa que não pode faltar a nós é o sorriso, mesmo aquele difícil, que escapa Por um Triz. Então, pra aliviar, eu sorri.

Mayra Coimbra

https://www.youtube.com/watch?v=ctK62xNc_Bk